Astrologia Antiga

A Astrologia no Mundo

Peter Marshall

Nas Águas da Babilônia

 Toda a humanidade se regozija em ti, Shamash, o mundo inteiro anseia pela tua luz…

Hino de Nínive

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Quando contemplamos os áridos desertos do Iraque, entre os rios Tigre e Eufrates, percebemos imensas colinas desgastadas que se levantam contra a linha do horizonte do azul profundo. Elas são tudo o que restou de cidades magníficas, templos e palácios de várias civilizações importantes que floresceram na Mesopotâmia em uma terra verde e fértil, regada por um complexo sistema de irrigação. Há cerca de seis mil anos, seus povos começaram a construir as esplêndidas cidades de Ur, Uruk, Babilônia e outras. Em sua religião estelar repousam as origens da astrologia ocidental.

Foi só recentemente que nós começamos a apreciar as glórias das civilizações antigas da Mesopotâmia, e sem dúvida há ainda muita coisa enterrada sob as areias do Iraque. Em 1835, em uma face de um rochedo escarpado nas montanhas de Behistun na Pérsia (atualmente Irã), um diplomata inglês chamado Henry Crewicke Rawlinson descobriu uma grande inscrição esculpida em três línguas desconhecidas. A escrita utilizada era esculpida sobre uma superfície cuidadosamente preparada em caracteres de formato triangular, agora chamados cuneiformes, do latim cuneus, que significa cunha. Era o equivalente mesopotâmico da Pedra da Roseta, a chave para decifrar os hieróglifos egípcios. Rawlinson soube que os textos estavam escritos em persa, elamita e acadiano e que tinham sido esculpidos por ordem do rei persa Dario, que reinou no século V a.C.

Sete anos após a descoberta de Rawlinson, o cônsul francês Paul-Emile Bota começou a cavar numa enorme montanha em Mosul, do outro lado do Rio Tigre. Agora se sabe que ele descobriu Nínive, a antiga capital da Assíria. Na escalada em busca de antiguidades que se seguiu, a parte do leão foi para o Museu Britânico, que agora detém mais de 130 mil tábuas cuneiformes. Cerca de 2.500 tábuas e fragmentos de Nínive da coleção Kuyunjik são de interesse astrológico.

A Mesopotâmia, região entre as partes baixa e média do Tigre e do Eufrates, foi, na verdade, o local de cultos ainda mais antigos. Em Jarmo, aos pés das montanhas de Zagros, na fronteira entre o Iraque e o Irã, foram encontrados restos cuja datação pelo carbono ficou em torno de 6750 a.C. Eles revelaram que a comunidade neolítica possuía uma religião bem desenvolvida, com grandes quantidades de pequenas estatuetas de argila de mulheres grávidas. Estas deusas da fertilidade podem muito bem estarem associadas ao planeta Vênus ou à Lua.

A primeira grande civilização da Mesopotâmia foi a suméria. O seu império foi estabelecido no quarto milênio antes de Cristo e atingiu seu ápice mil anos depois. Escavações na cidade suméria de Eridu revelaram que sob as escadarias do monumento em forma de pirâmide, conhecida como zigurate, que data de 2100 a.C. estão os remanescentes de 17 templos anteriores, cada um construído sobre o anterior. Alguns dos templos atingiram aproximadamente noventa metros de altura. Do topo de suas escadarias os sumérios devem ter tido uma visão soberba do céu noturno. Feitos de tijolos de barro, eles agora estão desmoronados, porém as crenças que os inspiraram sobreviveram sob uma forma disfarçada na astrologia moderna.

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De onde veio a primeira civilização suméria permanece um mistério. Visto que ela desenvolveu uma religião complexa, uma arquitetura monumental e uma forma intricada de escrita, vários estudiosos sugeriram que os fundadores provavelmente vieram de uma terra estranha que deve ter sido arrasada por alguma catástrofe. Os próprios sumérios registraram que eles vieram da Ilha de Dilmun, onde habitavam os descendentes dos reis que viveram “antes do dilúvio”. O Épico de Gilgamesh, que data do terceiro milênio antes de Cristo, fornece uma descrição fantástica de uma inundação que pode ter inspirado o relato do Antigo Testamento. Claramente igual à história de Noé, Utnapishtim, “o longínquo”, diz a Gilgamesh que os deuses enviaram o dilúvio para lavar a humanidade, mas que ele poderia escapar com a sua família em um barco que repousaria no topo de uma montanha. “Por seis dias e seis noites os ventos sopraram, torrentes, tempestades e inundações varreram o mundo, tempestades e inundações assolaram juntos como guerreiros bravios. Quando chegou o sétimo dia a tempestade do Sul amainou, o mar acalmou, a inundação parou. Olhei para a face do mundo e havia silêncio, toda a humanidade virará barro.”

A invasão da Mesopotâmia por um povo semita, provavelmente da Arábia, assistiu à chegada da civilização acadiana, que durou de 2360 a 2180 a.C. Embora falassem uma língua diferente, eles continuaram a utilizar a escrita suméria. Isto foi seguido pelo crescimento da Babilônia no Sul da Mesopotâmia, cujo grande império durou de 2200 a 538 a.C. quando foi conquistada pelos persas liderados pelo Rei Ciro. Por volta de três mil anos atrás, o Império Assírio também se desenvolveu no Norte da Mesopotâmia. Ele atingiu seu ápice em torno de 700 a.C. quando se estendia do Egito ao Golfo Pérsico. Sua maior cidade era Nínive. Seu povo adotou o dialeto semita da Acádia e continuou a utilizar a escrita suméria. Em 612 a.C. ele foi destruído pelo segundo Império Babilônio, cujo imperador mais conhecido foi Nabucodonosor. Segundo o Livro de Daniel, que data de cerca de 150 a.C. o Profeta Daniel serviu como astrólogo para Nabucodonosor e também para o conquistador persa Ciro. A região entrou gradualmente em declínio após Alexandre, o Grande ter enfim se apoderado da Babilônia, em 331 a.C.

Por quatro mil anos, cada uma dessas grandes civilizações contribuiu para o crescimento da astrologia. A astrologia ocidental moderna tem suas raízes na mistura das culturas da Mesopotâmia, Egito e Grécia.

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Textos Antigos e Cosmologia

O legado ocidental vindo da Mesopotâmia é enorme. O sistema matemático “sexagesimal” babilônico fez surgir o dia de 12 horas, embora este tenha sido posteriormente substituído pelo dia de 24 horas egípcio. Nós ainda dividimos as horas e os minutos em unidades de sessenta, como os mesopotâmios. Herdamos o conceito do “Grande Ano” — com a duração de 432 mil anos — da época assíria, conceito que está por trás da próxima “Era de Aquário”.

Graças aos mesopotâmios, temos as histórias de Abraão e Sara, Isac e Rebeca, Nemrod, o caçador, da Torre de Babel e o Livro de Daniel. A cruz de braços iguais foi provavelmente um símbolo do deus sol da Mesopotâmia, Shamash. Até a história da criação, assim como do grande dilúvio do Antigo Testamento, encontra pontos idênticos na literatura mesopotâmica, que é anterior à dos escribas hebreus em mil anos. Os capítulos de abertura do Gênese lembram diretamente o relato sumério de um poema em sete tábuas chamado Enuma Elish (“Quando no alto…”), uma coleção de textos anteriores compilados em torno da virada do segundo milênio antes de Cristo. Existem outras dicas de inspiração bíblica. A antiga palavra suméria para uma terra de pastagem livre da baixa Mesopotâmia era Éden. E existem as intrigantes estatuetas encontradas na área do Lago Van de uma mulher e uma cobra — uma olhando para a outra, formando um corpo com o formato de uma lua crescente. Poderiam elas representar a tentação de Eva?

O texto astrológico mais antigo conhecido, Enuma Anu Enlil, foi descoberto em Nínive na famosa biblioteca do palácio real do Rei Assurbanipal, que reinou a partir de 668 a.C. Mantido agora em uma gaveta no Museu Britânico, ele consiste de uma grossa tabuleta de argila, com as bordas arredondadas e uma escrita cuneiforme perfeitamente preservada. É uma cópia de uma compilação muito anterior de presságios traçados a partir dos movimentos de Vênus e que foram escritos pela primeira vez durante o reinado do rei babilônio Ammisaduca, que reinou de 1646 a 1626 a.C. A “Tabuleta de Vênus”, como é chamada, demonstra que a astrologia já era um sistema e uma disciplina bem desenvolvidos pela primeira dinastia da Babilônia. Um parágrafo registra: “No mês XI, 15° dia, Vênus desapareceu no Oeste. Três dias ele permaneceu fora, então, no 18° dia, ficou visível no Leste. A primavera começará e Adad trará sua chuva e o Ea suas inundações. Mensagens de reconciliação serão enviadas de Rei para Rei.” A tabuleta contém também as primeiras observações sistemáticas registradas dos movimentos planetários.

Foi encontrado um texto de um fragmento ainda mais antigo, que data da época do Rei Sargon da Acádia, que reinou de 2334 a 2279 a.C. Afirma de modo surpreendente que: “Quando o planeta Vênus (…) um presságio de Sargon, do Rei e dos quatro quadrantes… Quando o planeta Vênus (…) por isso ele é um presságio para Sargon (…)” Claramente Vênus era considerado o planeta mais proeminente naquela época.

Estima-se que a série astrológica inteira do Enuma Anu Enlilcontenha cerca de sete mil presságios. Existiram tabuletas individuais para o Sol, a Lua, Marte, Júpiter, Vênus, Mercúrio e Saturno. Tinham, certamente, ampla circulação, pois vestígios deste trabalho foram encontrados em locais distantes, como a Turquia Oriental.

A astrologia do Enuma Anu Enlil é ainda meio rudimentar. As constelações eram empregadas como pontos de referência a partir dos quais o movimento diário da Lua e dos planetas podiam ser traçados. Embora fossem utilizadas as 12 constelações que vieram a formar o zodíaco e que se estendiam pela eclíptica, o próprio zodíaco ainda não tinha sido determinado. Embora os planetas fossem vistos em conjunção ou oposição, descritos simplesmente como estando próximos ou separados, os aspectos entre os planetas não são mencionados. O trabalho é todo voltado para a astrologia mundana — o destino do corpo político. Não há menção ao Ascendente, que se tornou tão importante para a astrologia nas épocas clássica e moderna.

O início da cosmologia da Mesopotâmia era fundamentalmente como no Gênese, 1:6-10. O universo é descrito como sendo contido entre dois lençóis de água acima e abaixo da Terra. A água acima da Terra é sustentada por um grande domo atravessado no qual planetas e estrelas vagueiam em suas viagens diárias e anuais.

O nome Enuma Anu Enlil vem da frase de abertura: “Quando os Deuses Anu e Enlil…” Anu era o deus de céu e Enlil o deus da Terra. Eram considerados com igual importância e duas partes inter-relacionadas de um reino. Presságios, mensagens dos deuses poderiam ser facilmente retirados de eventos acontecidos na Terra, bem como nos céus. Na verdade, havia uma antiga tradição na Mesopotâmia de leitura de presságios nas entranhas de animais sacrificados. Como foi encontrado em um manual para divinadores e astrólogos: “Os signos no céu, assim como na Terra, nos dão sinais.”

Os mesopotâmios acreditavam que os humanos eram parcialmente divinos, nascidos da mesma substância dos deuses, mas sua principal tarefa era servir aos deuses. O céu à noite, com as estrelas e planetas era visto como Shitir Shame — o “livro dos céus” — contendo os mandamentos dos deuses.

Como vimos, o primeiro tipo de religião na Mesopotâmia envolveu provavelmente a adoração aos deuses e deusas da fertilidade. Por volta da virada do segundo milênio antes de Cristo os deuses não somente eram adorados, como também recebiam pedidos para intervir em eventos terrestres. Não foi muito antes da ideia de um deus pessoal se desenvolver: o primeiro texto que expressa essa ideia data de 2600 a.C. Sem dúvida, essa noção era um pré-requisito para a astrologia, pois os astrólogos tentavam mudar o curso dos acontecimentos descobertos nos presságios que viam no céu.

Diferente dos israelitas que viam a história em termos lineares, movendo-se em direção a um objetivo, os mesopotâmios viam a história movendo-se em ciclos intermináveis sobre vastas durações de tempo. Não havia final para a história, somente uma repetição sem fim. Da mesma forma, o bem e o mal fluíam e se recolhiam juntos. Como resultado, não surpreende que pensassem que os seres humanos podiam negociar com os deuses a respeito da direção do futuro. O destino (shimtu) não era, portanto, fixado ou predeterminado. Os presságios eram simplesmente sinais ou avisos do que era possível; não eram certezas inescapáveis.

Era possível, por exemplo, afastar o mal que estava para acontecer por meio de rituais conhecidos como namburbi. Esses rituais envolviam encontrar um local especial, purificar-se, oferecer alimentos e bebidas aos deuses, rezar e, por fim, simbolicamente, “desfazer” o mal ameaçado desenrolando uma planta ou quebrando um pequeno pote. Não apenas se tratava de um princípio mágico de ação simpática dos fundamentos da astrologia, como estes rituais eram indubitavelmente utilizados para neutralizar previsões astrológicas negativas.

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Observadores da Luz

Segundo a história sumeriana da criação, no início havia o mar primevo que nasceu da montanha cósmica que consistia do céu (Anu) e da Terra (Enlil). Neste estágio, o mundo era imóvel na escuridão e no céu não havia estrelas, por isso Enlil gerou a Lua (Sin), que viajou em um barco trazendo luz para o lápis-lazúli (céus). A Lua, por sua vez, criou o Sol (Shamash) e Vênus (Ishtar).

Assim como a antiga astrologia indiana era chamada Jyotish, o Senhor da Luz, a luz era o núcleo da religião mesopotâmica. O Sol, acima de tudo, simbolizava a luz divina. No grande épico mesopotâmico, Gilgamesh diz para o deus sol Shamash: “Deixe que meus olhos vejam o Sol para que eu possa ser saciado de luz. Banida para longe está a escuridão, se a luz for suficiente. Que aquele que tenha morrido pela morte veja a luz do Sol.”

Os hinos de Nínive descrevem ainda suas qualidades: “Toda a humanidade se regozija em ti, ó Shamash, o mundo inteiro anseia pela tua luz.” O deus é onisciente e justo. Ele determina as decisões dos céus e da Terra. É uma visão que foi trabalhada por milênios no Oriente Médio: o Sol ainda é chamado de shams em árabe.

Os acadianos semitas consideravam a Lua e Vênus como masculinos, e o Sol como masculino, porém as outras civilizações mesopotâmicas davam a eles o mesmo gênero do Ocidente atual. Ishtar é uma deusa adorável que habita o planeta Vênus. Um hino de cerca de 1600 a.C. declara: “Reverencio a rainha das mulheres, maior de todos os deuses; ela se veste com deleite e com amor, é repleta de ardor, encantamento e alegria voluptuosa, em seus lábios ela é doce, em sua boca existe vida, quando está presente, a felicidade é maior; como parece gloriosa, com os véus rodeando sua cabeça, sua forma adorável, seus olhos brilhantes”. Contudo, como rainha dos céus, ela é também a deusa da guerra e da tristeza. Como a deusa indiana Kali, ela é adorada e também temida.

Era função dos astrólogos e divinadores, que formavam uma fraternidade e eram conhecidos como tupsharru (escribas), interpretar os presságios celestes. Parece que no fim do segundo milênio antes de Cristo os astrólogos mesopotâmicos tinham descoberto os movimentos de longa duração do Sol, Lua, dos planetas e das estrelas. Representavam os planetas contra as estrelas fixas ou constelações. Também mediam a distância estelar por “dedos” ou “cúbitos”. O tempo era medido por Abkallu shikla, provavelmente algum tipo de relógio de água. Os astrolábios foram desenvolvidos lentamente.

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Telescópios Antigos

Embora seja admitido com frequência que os céus do Oriente Médio são sempre claros como cristal, na verdade a observação das estrelas e planetas nem sempre foi fácil. Não somente os céus noturnos eram ocasionalmente obscurecidos por nuvens e tempestades de areia, como as limitações naturais do olho desarmado faziam as estrelas distantes parecerem apagadas. Contudo, apesar da suposição aceita de que Galileu foi o primeiro a desenvolver o telescópio, é bem possível que os astrólogos mesopotâmicos tenham utilizado lentes para observar as estrelas e os planetas.

Em 1849, o diplomata Austen Henry Layard fez uma descoberta extraordinária na sala do trono do Palácio do Noroeste na antiga capital assíria de Kalhu (mais comumente chamada de Nimrud). Embaixo de uma pilha de fragmentos de um belo vidro opaco, ele descobriu uma “lente de cristal de rocha com faces opostas e planas”. Nela estava o nome de Sargon, com seu título de Rei da Assíria em caracteres cuneiformes, e a figura de um leão. Layard afirmou: “Suas propriedades dificilmente foram conhecidas dos assírios, e com isso temos o primeiro exemplar de uma lente de aumento e espelhos ustório.”

A lente encontra-se atualmente no Museu Britânico, classificada como o objeto número 12.091, no Departamento de Antiguidades Asiáticas Ocidentais. Layard pensou erroneamente que a havia descoberto em Nínive, e a lente é algumas vezes chamada de lente de Nínive. Sua forma é de uma lente plano-convexa, isto é, uma face plana e a outra convexa. Não é uma forma incomum, pois tijolos plano-convexos há muito eram utilizados na construção de fortificações na Mesopotâmia. Mede 6,2cm de comprimento por 3,43cm de largura, com uma espessura máxima de 6,2mm. Parece ter sido feita para Sargão II, que governou de 722 a 705 a.C.

Embora agora deteriorada, a lente era cuidadosamente polida. Robert Temple, que fez uma pesquisa minuciosa, observou: “Em sua condição original, era perfeitamente clara e transparente, sem falhas. Foi feita de uma peça de qualidade superior de quartzo, evidentemente selecionada na esperança de não conter ‘falhas fantasmas’, e por fim polida depois disto ter sido confirmado logo após o corte.” Ele concluiu que era eficaz não só como espelho ustório, mas que deve ter sido utilizada como lente de aumento (de uma determinada posição ela tem uma magnitude de duas vezes) para correção de astigmatismo. Pode bem ter sido um monóculo montado para o Rei Sargão ou seu escriba.

Se os antigos astrônomos assírios sabiam como selecionar e cortar essas lentes, não é impossível que eles tivessem utilizado lentes de cristal para ampliar os corpos celestes no céu noturno. Tem se tornado cada vez mais notório que os antigos eram bem mais avançados tecnicamente que a maioria dos historiadores deseja admitir. Ainda não se pode afirmar que os antigos chineses e gregos observavam as Luas de Galileu de Júpiter e os anéis de Saturno. Se isto aconteceu, e existem algumas evidências que sugerem que eles eram capazes disto, com certeza não foi possível sem a ajuda de algum tipo de telescópio.

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As Constelações e o Zodíaco

O conjunto do conhecimento astronômico na Mesopotâmia estava contido em uma compilação de duas tábuas conhecidas como mul.Apin, que foram encontradas na biblioteca de Assurbanipal em Nínive. O nome significa Estrela do Arado e se refere à constelação do Triângulo, que fica entre Áries e Andrômeda. O conhecimento astronômico data de 1000 a.C. embora a primeira cópia do trabalho seja de 687 a.C. Diz-se que é o primeiro catálogo estelar conhecido. No mesmo período, os astrólogos assírios e babilônios começaram a manter “diários” de eventos celestes e políticos, como batalhas, mortes e tratados.

Baseado em séculos de observações cuidadosas, o mul.Apin contém uma lista de estrelas fixas divididas entre os caminhos de Ea, Anu e Enlil (os deuses da água, do céu e da Terra), as datas em que 36 estrelas fixas e constelações surgiam pela manhã, os períodos planetários, as estações, os equinócios e solstícios, tabelas do período de visibilidade da Lua, regras para intercalação, tabelas de gnômon detalhando os comprimentos da sombra do Sol e também os pesos da água para os seus relógios.

São mencionadas 18 constelações ao longo do “caminho da Lua” no mul.Apin, que contém a maioria dos signos do zodíaco moderno: o Touro do Céu (Touro), o Leão (Leão), a Balança (Libra), o Escorpião (Escorpião), o Salmonete (Capricórnio) e as Caudas (Peixes), o Sulco (Virgem), o Mercenário (Áries) e os Grandes Gêmeos (Gêmeos). A figura de Sagitário (chamada PA.BIL.SAG) é incerta. Aquário (conhecido como GU.LA) era provavelmente um gigante. Enquanto nove dos signos do zodíaco parecem ter tido uma origem babilônica definida, a evidência de Aquário e Gêmeos é menos convincente, embora os Grandes Gêmeos possam ter se originado nos amigos Enkidu e Gilgamesh, que aparecem no grande épico sumeriano dos primeiros tempos. A ausência mais notada é a do Carneiro para Áries, que pode ter vindo do Egito após a invasão conduzida pelo rei babilônio Esarhaddon no século VII a.C.

O conteúdo astrológico do mul.Apin se estende a alguns presságios baseados em cometas e estrelas fixas. De interesse particular é uma lista de todas as estrelas em 18 constelações no “caminho da Lua” enquanto ela se move pelo céu. O “caminho da Lua” é um cinturão zodiacal com 12° de largura dentro do qual o Sol, a Lua e os planetas se movem. Parece que o número das constelações caiu gradualmente para 12— o mesmo 12 que enfim se tornou os 12 signos do zodíaco. E não foi muito antes de a noção da eclíptica — o centro do cinturão — ter sido formulada para marcar o caminho aparente do Sol.

Como esses astrólogos aplicavam seu conhecimento cada vez mais sofisticado? Seus relatórios aos reis reuniam informações sobre as observações dos corpos celestes e também as interpretações do seu significado. Por exemplo, uma mensagem enviada ao Rei Esarhaddon em 699 a.C. afirma: “Quando o planeta Marte sai da constelação de Escorpião, volta e entra novamente em Escorpião, sua interpretação é (…) não negligencie sua guarda; o rei não deverá sair em um dia maléfico.”

Novamente, em 30 de julho de 666a.C. o astrólogo Akkullanu escreveu ao Rei Assurbanipal: “Se o planeta Júpiter estiver presente no eclipse, tudo estará bem com o rei, um nobre dignitário morrerá em seu lugar.” O rei deu atenção a estas palavras? Ainda não tinha se passado um mês inteiro quando o seu juiz principal morreu. Contudo, estas mensagens demonstram que a astrologia ainda era fundamentalmente mundana; preocupara-se com o rei, mas não como indivíduo, apenas como uma personificação da nação. Desde 652 a.C. os astrólogos da corte registravam resumos mensais dos movimentos planetários para os reis conhecidos como “diários”.

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Da Astrologia Mundana para a Natal

Foi a invasão dos persas em 539 a.C. que finalmente acionou a invenção do zodíaco regular e o mapa natal. Eles introduziram também uma matemática mais avançada para a astrologia. Entre outras coisas, o líder persa Ciro libertou os judeus cativos que tinham sido levados para a Babilônia por Nabucodonosor 47 anos antes — um ato que atribuiu uma reputação notória para o tirano e sua cidade no Antigo Testamento.

Sob o regime persa, a teoria da astrologia se tornou mais sistemática e sua prática mais disciplinada. O calendário foi aperfeiçoado. O mês extra “intercalado”, adicionado aos 12 meses lunares do ano para alinhá-lo às estações, foi aplicado em uma base mais regular do que arbitrária. Isto revelou uma compreensão maior dos ciclos celestes. O período sinódico dos planetas foi também descoberto, isto é, o período entre conjunções consecutivas de um planeta com o Sol como é visto na Terra. O período sideral também foi compreendido, isto é, a extensão de tempo que um planeta leva para atravessar os 12 signos do zodíaco e retornar ao seu ponto de partida. Isto possibilitou aos astrólogos formular períodos planetários maiores que formaram a base para as previsões.

O período de Saturno, por exemplo, era de 59 anos — dois períodos siderais (cada um com 29 anos e meio) ou 57 períodos sinódicos.

Durante o período do regime persa, os planetas foram colocados nos 12 signos do zodíaco e não nas constelações zodiacais. Isto tornava mais fácil o cálculo dos movimentos futuros do Sol, pois não havia estrelas fixas vistas com facilidade durante o dia contra as quais o caminho poderia ser traçado.

Os signos do zodíaco foram também matematicamente divididos em comprimentos iguais. Seus nomes vieram das próprias constelações zodiacais. No início isto gerou alguma confusão, pois as pessoas não sabiam se a referência era em relação às constelações ou aos signos. A primeira menção aos signos do zodíaco que se tem notícia surgiu num texto babilônico sobre a Lua que data de 475 a.C. Podemos dizer com confiança que os signos do zodíaco foram estabelecidos com firmeza há 2.500 anos. O primeiro uso conhecido dos graus do zodíaco em um horóscopo data de 263 a.C.

Finalmente, foi nesse período que se iniciou a mudança da astrologia mundana para a astrologia natal, da previsão do destino da nação para o mapa do indivíduo. Isto pode ter sido encorajado pela introdução da religião persa do zoroastrismo, com o seu conceito da alma individual imortal que podia escolher entre o bem e o mal. Entre os mistérios esotéricos zoroastrianos estava a doutrina da harmonia das esferas — uma doutrina que certamente inspirou Pitágoras e Platão mais tarde.

O primeiro mapa natal de que se tem notícia da Babilônia data de 410 a.C. provavelmente de 29 de abril. Afirma que um indivíduo nasceu naquela data e descreve os signos nos quais a Lua e os planetas se encontravam: “Naquele momento a Lua estava abaixo do tentáculo de Escorpião, Júpiter em Peixes, Vênus em Touro, Saturno em Câncer, Marte em Gêmeos. Mercúrio, que tinha se posto (pela última vez) estava (ainda) invisível.”

Um mapa posterior de Uruk, datando provavelmente de 4 de abril de 263 a.C. durante o período da dominação grega, dá até os graus dos planetas nos signos que se encontravam: “Ano 48 da Era Selêucida, mês de Adar, a criança nasceu. Naquele dia o Sol estava a 13°30′ de Áries, a Lua a 10° de Aquário, Júpiter no começo de Leão, Vênus com o Sol, Mercúrio com o Sol, Saturno em Câncer, Marte no fim de Câncer.” Este texto fascinante faz ainda certas previsões baseadas na posição dos planetas: “Ele não terá riqueza (…) Seu alimento não será suficiente para sua fome. A riqueza que teve na juventude não permanecerá. No ano 36 ele terá riqueza. Seus dias serão em grande número.” O documento já mostra a preocupação com a riqueza e a longevidade, que se tornariam temas dominantes na astrologia ocidental.

Após a derrota do exército persa por Alexandre, o Grande, em 331 a.C. milhares de gregos se estabeleceram na Babilônia e ficaram sob a influência dos astrólogos locais, que eram conhecidos como “caldeus” (referindo-se originalmente ao povo da última dinastia na Babilônia antes da conquista de Ciro da Pérsia). Dois astrólogos que residiam na Babilônia foram mencionados mais tarde pelos gregos, como Cidenas (Kidinnu) e Naburianos (Nab-rimannu). Outras escolas floresceram em Uruk e Borsippa. Existe um grande número de “diários” astrológicos do período após a conquista da Mesopotâmia e também listas de efemérides (os dados mais antigos são de 307 a.C.). A preocupação grega com os indivíduos está refletida no número crescente de horóscopos naquele período.

O último horóscopo conhecido escrito com caracteres cuneiformes sumerianos data de 68 a.C. O primeiro horóscopo grego conhecido data de 61 a.C. Este comemorava a coroação do regente greco-mesopotâmio Antíoco I de Comagena e foi gravado na face íngreme no topo de Nimrud Dagh.

Uma tabuleta encontrada em Uruk, atribuída ao período selêucida, lembra um moderno livro de culinária astrológico e lista as previsões para uma combinação sistemática de planetas. Uma sugere: “Se uma criança nascer quando Júpiter nasce e Vênus se põe, será excelente para esse homem; sua esposa partirá.” Obviamente, a interpretação é para um homem e mostra a preocupação com o seu casamento. Outra interpretação afirma: “Se uma criança nascer quando Vênus nasce e Júpiter se põe, sua esposa será mais forte que ele.” Porém, embora o texto trate de oposições, ele não considera outros aspectos entre os planetas, como conjunções, trígonos, quadraturas ou sextis. Também não há menção ao Ascendente.

O primeiro exemplo conhecido do Ascendente utilizado em um mapa natal é do ano 4 a.C. logo após a conjunção de Saturno-Júpiter de 7 a.C. que provavelmente coincidiu com o nascimento do Cristo.

Por quatro mil anos a astrologia na Mesopotâmia teve claros progressos. A princípio, ela foi totalmente dirigida para a astrologia mundana. Os presságios no céu apontavam o “destino” da nação. Como consideravam que o rei tinha seu mandato dirigido pelo céu, o movimento dos corpos celestes, em particular os eclipses, exercia uma ação direta sobre ele e a nação que personificava. Porém, como o futuro repousava nas mãos dos deuses, não estava predestinado ou “destinado”. Poderia ser mudado — negociado — por meio de determinados rituais e cerimônias.

Era também papel dos astrólogos da corte observar as fases crescente e minguante da Lua, a fim de estabelecer um calendário para rituais e cerimônias e a época da semeadura e da colheita do ano agrícola. A Lua Nova era um “ponto” importante no calendário lunar.

Após a conquista persa, os 12 signos do zodíaco foram finalmente estabelecidos e introduzido o mapa natal. Com a disseminação da cultura helênica da Grécia, o mapa natal ganhou importância e a própria astrologia tornou-se mais secular e democrática. Os astrólogos não eram mais sacerdotes com funções na corte, mas filósofos que tentavam compreender a estrutura do universo e interpretar o efeito dos céus sobre a vida dos indivíduos na Terra.

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